Cemitério de homens

O meu coração é um cemitério de homens.
Hoje sei que quando uma mulher chora, quando ela não consegue mais disfarçar a infelicidade e o repúdio, ela lança-se em noites de dor profunda anunciando a si mesma, paulatinamente, que é o fim.
Hoje eu sei que quando uma mulher cala, ela engole todas as suas dores e vai entre gritos e murros soltando a decisão final.
Hoje sei que esse momento de fúria e de frustração, de angústia e de decepção não é mais do que a mulher a revoltar-se consigo mesma por ter permitido, por ter cedido, por ter acreditado tantas e tantas vezes.
Hoje sei que nesse preciso momento, e quando o homem pergunta cinicamente á mulher "porque estás assim?", ele tenta fazer de conta que não percebe, que a responsabilidade lhe passa completamente ao lado como se não fossemos todos responsáveis uns pelos outros. Hoje eu sei que é mera manipulação com forte tendência á vitimização.
Nesse momento em que essa pergunta aparentemente inofensiva acontece. Nesse preciso momento a mulher olha-o e ela sabe que o que está a acontecer é grave e irreversível. Nesse momento ela já o matou por dentro e pouco a pouco precisa de verter em silêncio as lágrimas equivalentes ás pázadas de terra suficientes que cubram definitivamente o defunto. No momento em que ele tenta corrigir ou justificar o que quer que seja, nós sabemos todas que nesse momento já é tarde demais e não há volta a dar.
Assim, o meu coração se tornou um cemitério de homens. Não os trato pelos meus exs. São os meus falecidos. Morreram para mim. Eu matei-os todos um por um dentro de mim num misto de raiva, repúdio e desdém por tudo o que me fizeram chorar e sofrer, pelas vezes que me desprezaram, me rebaixaram, me excluiram, me destrataram, me desamaram, me ignoraram. Tornou-se um cemitério de homens vazios a quem apesar de ter partilhado a minha história, os meus sonhos, os meus medos, as minhas necessidades, nunca souberam ser nem estar á altura. A uns pedi prioridade, a outros reciprocidade, a outros amizade, a outros respeito, a outros mais sexo, a outros compreensão. A cada um deles faltava tão pouco para ser o tal mas em vez de darem o seu melhor, eles bloqueavam, ou tornavam-se frustrados e destratavam-me. Eu talvez seja demasiado exigente mas não vejo mal nenhum nisso. Matei-os e o meu coração é o orgão vital onde guardo o melhor e o pior de cada um. Doeu tanto conseguir eliminar cada um deles. Nenhum foi mais fácil do que outro. Nem mesmo aqueles que me fizeram sentir que ia morrendo com eles. Fiz o luto, o deles e o meu, curti a minha dor, lambi as minhas feridas, arranjei um espaço para cada um deles. E agora que o espaço está cada vez mais pequeno e que não me apetece matar mais ninguém dentro de mim, divirto-me a imaginar como seria o homem que agregasse todas as qualidades que os meus falecidos tinham. Ou então, o quão monstruoso seria o homem que agregasse só todos os seus defeitos. Se imaginar um faz-me sonhar, já o outro devolve-me uma enorme vontade de estar sozinha.

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