Ela

Todos os dias á mesma hora eu passo e ela está lá! Eu passo no meu assento repousado levado pelo autocarro e vejo-a todos os dias á mesma hora! Todos os dias á mesma hora da manhã durante os dias todos da semana vejo-a na mesma paragem de autocarro que não é o meu! Ela sempre fica lá na sua enquanto eu vou levado por um autocarro que não me diz nada, enquanto olho para ela! Ela fica sempre de pé, e está sempre na companhia de um livro onde a vejo sempre embebida. Naquele instante em que o autocarro pára, aquele precioso instante que não dura mais que dois minutos, num entra e sai apressado de pessoas que vão á luta, consigo quase adivinhar um rosto de menina mulher ora tímida ora feroz. Vejo-lhe o rosto simples com o nariz e os lábios perfeitamente desenhados, e ás vezes envergonhada, soltando um sorriso doce sem nunca largar o olhar da leitura, completamente embebida num lugar bem longe de ser o meu! Os meus olhos só a olham! Ela diverte-se sozinha sem nunca olhar á sua volta, ela parece não se importar... Como se ela nem ali estivesse, tamanha a sua alienação perante os olhares ou as atenções dos outros como eu! As vezes vejo-a através da vidraça soltar-se-lhe uma gargalhada. Eu imagino-a doce e meiga ainda com um gesto envergonhado que fá-la passar a mão pelo cabelo. E o que será que a faz gargalhar assim e parecer ainda mais menina e alegre? Fico tão curioso que me apetece ler um pouco daquele livro e logo depois gargalhar com ela e esquecer que daqui a cinco minutos vou descer do autocarro e andar em direcção ao meu trabalho onde me esperam mais 8 do meu dia e o stress de sempre! Eu vejo-a de longe mas é como se estivesse tão perto! É como se a conhecesse já há tanto tempo! E a gargalhada dela mesmo silenciosa me faz sorrir! Porque o sorriso dela é contagiante e todos os dias á mesma hora ela presenteia-me involuntariamente com o sorriso que transforma o meu dia! É pena que ela não me veja... E é pena que eu não lhe possa dizer! E quando dou por mim o tempo passou e vou perdendo-a de vista... até ao outro dia! Ou não! Porque quando ela não está sinto aquele lugar vazio e aqueles dois minutos em que o autocarro pára duram uma estranha eternidade! 18-07-2017

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